segunda-feira, 14 de abril de 2014

O conceito de discurso: duas abordagens

Yuri José Victor Madalosso

Deixo claro aqui que o texto a seguir não é, de forma alguma, uma tentativa de conciliação ou mera comparação, mas uma excitação ao debate filosófico pontuado entre duas tradições de pesquisa diferentes mas igualmente instigantes e, julgo eu, interessantes para as perspectivas de nosso grupo de pesquisa. sou iniciante em Foucault, e posso cometer graves deslizes que serão corrigidos com as sugestões dos leitores e mais leituras minhas.
Refiro-me às obras e ideias de dois autores. Em primeiro lugar à Michel Foucault, considerado por muitos um componente "volátil" da filosofia dita continental, um estudioso deveras "inrotulável": estruturalista, pós-estruturalista, pós-moderno, historiador, etc. Entender seus escritos e seus objetivos teóricos, suas ferramentas e estratégias de pesquisa, a estruturação não-linear de seu percurso intelectual, entre outras especificidades, são verdadeiros desafios e horizontes inexplorados tanto para nós, pesquisadores iniciantes de filosofia, quanto para quem já se insere nas diversas e mais atuais discussões filosóficas. Em segundo lugar, Edmund Husserl, "pai" de uma das maiores e mais controversas correntes de pensamento contemporâneas: a fenomenologia. Sua obra é peça chave para entendermos muito do que se produziu em filosofia desde o começo do século XX. Consagrado como influenciador do que muitos chamam hoje de "filosofia continental", no entanto, seu programa de investigação filosófica, os debates em que se insere, a estrutura lógica de sua obra nos remetem a discussões familiares a filósofos analíticos e muitas de suas teses são objeto de atuais estudos que o situam em um grande debate em que se inserem Gottlob Frege, Georg Cantor, e por aí vai.
Revela-se, contudo, após vermos estes pormenores históricos destes autores, um interesse e exaustiva investigação acerca de como os discursos se estruturam e se perfazem (ou se devem perfazer), principalmente no que tange ao discurso científico. Neste setor, situam-se as obras História da Loucura, de Foucault e Investigações Lógicas, de Husserl. O primeiro autor quer entender a constituição de um discurso científico que se institucionalizou na modernidade: o da psicologia. O segundo, por sua vez, quer propor uma nova "instituição" aos fundamentos de um discurso que se estabelece a passos rápidos como ciência: a lógica. Pois bem: o que buscam estes autores ao se depararem com estes discursos?
A análise das estratégias e práticas que subjazem os conceitos e métodos clínicos da psicologia, de como se procede o sujeitamento de certos discursos e do objetos destes mesmos, dentro do campo psiquiátrico, diferem em grande parte de uma tentativa de descrever as condições de possibilidade de uma "teoria das teorias", uma "nova lógica", de um fundamento rigoroso, objetivo e preciso de um discurso científico que pretende ser arcabouço e estrutura para outros discursos científicos. Confrontam-se, aqui, os objetos "razão/desrazão" e "expressão/significação/objeto": o "fundamento", o modus operandi que leva ao objeto de investigação, aqui, é o desconstrução, análise e "desobstrução", por assim dizer, e, de um outro lado, de construção, síntese sistemática e descrição científica. De um lado, vemos o trabalho arqueológico cujo objetivo é a "escavação" das práticas políticas, estéticas, econômicas que tornam hegemônicos discursos, articulações teórico-conceituais situadas em um contexto histórico determinado. De outro, vemos uma descrição objetiva e teorética de como se fundamenta epistêmica e semanticamente um discurso científico - e mais: inteligível. A significatividade do discurso lógico aparece como a-histórica, e a demarcação/territorialização entre o fatual e o lógico é essencial: há fronteira clara entre o discurso objetivo e discurso subjetivo, entre discurso fundador e fundado, etc.
Conforme a isto, percebamos que as concepções dos dois autores tentam ultrapassar a construção de uma semiótica da linguagem. Embora nos pareça que Foucault tenha acentuado o "uso e práticas" da linguagem e Husserl o seu significado, o norte de investigação, de compreensão, da linguagem enquanto linguagem utilizada por uma ou várias ciências é, nessas obras, uma compreensão pelo "originário" do discurso psiquiátrico ou pelo discurso lógico-matemático. A questão é como se torna fortuito ao cânone de uma ciência ou se torna possível tanto a manutenção político-histórica de um determinado discurso ou sua confirmação ou fundação como discurso ele mesmo fundador e sistematizado.

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