Yuri José Victor Madalosso
Deixo claro aqui que o texto a
seguir não é, de forma alguma, uma tentativa de conciliação ou mera comparação,
mas uma excitação ao debate filosófico pontuado entre duas tradições de
pesquisa diferentes mas igualmente instigantes e, julgo eu, interessantes para
as perspectivas de nosso grupo de pesquisa. sou iniciante em Foucault, e posso
cometer graves deslizes que serão corrigidos com as sugestões dos leitores e
mais leituras minhas.
Refiro-me às obras e ideias de dois
autores. Em primeiro lugar à Michel Foucault, considerado por muitos um
componente "volátil" da filosofia dita continental, um estudioso
deveras "inrotulável": estruturalista, pós-estruturalista,
pós-moderno, historiador, etc. Entender seus escritos e seus objetivos
teóricos, suas ferramentas e estratégias de pesquisa, a estruturação não-linear
de seu percurso intelectual, entre outras especificidades, são verdadeiros
desafios e horizontes inexplorados tanto para nós, pesquisadores iniciantes de
filosofia, quanto para quem já se insere nas diversas e mais atuais discussões
filosóficas. Em segundo lugar, Edmund Husserl, "pai" de uma das
maiores e mais controversas correntes de pensamento contemporâneas: a
fenomenologia. Sua obra é peça chave para entendermos muito do que se produziu
em filosofia desde o começo do século XX. Consagrado como influenciador do que
muitos chamam hoje de "filosofia continental", no entanto, seu
programa de investigação filosófica, os debates em que se insere, a estrutura
lógica de sua obra nos remetem a discussões familiares a filósofos analíticos e
muitas de suas teses são objeto de atuais estudos que o situam em um grande
debate em que se inserem Gottlob Frege, Georg Cantor, e por aí vai.
Revela-se, contudo, após vermos
estes pormenores históricos destes autores, um interesse e exaustiva
investigação acerca de como os discursos se estruturam e se perfazem (ou se
devem perfazer), principalmente no que tange ao discurso científico. Neste
setor, situam-se as obras História
da Loucura, de Foucault e Investigações
Lógicas, de Husserl. O primeiro autor quer entender a constituição de um
discurso científico que se institucionalizou na modernidade: o da psicologia. O
segundo, por sua vez, quer propor uma nova "instituição" aos
fundamentos de um discurso que se estabelece a passos rápidos como ciência: a
lógica. Pois bem: o que buscam estes autores ao se depararem com estes
discursos?
A análise das estratégias e
práticas que subjazem os conceitos e métodos clínicos da psicologia, de como se
procede o sujeitamento de certos discursos e do objetos destes mesmos, dentro
do campo psiquiátrico, diferem em grande parte de uma tentativa de descrever as
condições de possibilidade de uma "teoria das teorias", uma
"nova lógica", de um fundamento rigoroso, objetivo e preciso de um
discurso científico que pretende ser arcabouço e estrutura para outros
discursos científicos. Confrontam-se, aqui, os objetos
"razão/desrazão" e "expressão/significação/objeto": o
"fundamento", o modus
operandi que leva ao objeto
de investigação, aqui, é o desconstrução, análise e "desobstrução",
por assim dizer, e, de um outro lado, de construção, síntese sistemática e
descrição científica. De um lado, vemos o trabalho arqueológico cujo objetivo é
a "escavação" das práticas políticas, estéticas, econômicas que
tornam hegemônicos discursos, articulações teórico-conceituais situadas em um
contexto histórico determinado. De outro, vemos uma descrição objetiva e
teorética de como se fundamenta epistêmica e semanticamente um discurso
científico - e mais: inteligível. A significatividade do discurso lógico
aparece como a-histórica, e a demarcação/territorialização entre o fatual e o
lógico é essencial: há fronteira clara entre o discurso objetivo e discurso
subjetivo, entre discurso fundador e fundado, etc.
Conforme a isto, percebamos que as
concepções dos dois autores tentam ultrapassar a construção de uma semiótica da
linguagem. Embora nos pareça que Foucault tenha acentuado o "uso e
práticas" da linguagem e Husserl o seu significado, o norte de
investigação, de compreensão, da linguagem enquanto linguagem utilizada por uma
ou várias ciências é, nessas obras, uma compreensão pelo "originário"
do discurso psiquiátrico ou pelo discurso lógico-matemático. A questão é como
se torna fortuito ao cânone de uma ciência ou se torna possível tanto a
manutenção político-histórica de um determinado discurso ou sua confirmação ou
fundação como discurso ele mesmo fundador e sistematizado.
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