Alisson
Ramos de Souza
Em As palavras
e as coisas (1966; 2002), Michel Foucault anuncia a ‘morte do homem’, tal
como Nietzsche havia, cerca de um século antes, anunciado a ‘morte de Deus’.
Com efeito, poder-se-ia afirmar que a morte do homem já era colocada no
instante mesmo que a morte de Deus era divulgada, pois “o homem e Deus pertencem um ao outro, onde a morte
do segundo é sinônimo do desaparecimento do primeiro[i]”.
O homem, diz Foucault,
é uma invenção, uma simples dobra de nosso saber, uma figura que não tem dois
séculos, cuja recente data a arqueologia de nosso pensamento mostra facilmente
e que desaparecerá desde que este
houver encontrado uma forma nova. Para nós, o que subjaz a essa temática
é o esgotamento do cogito, uma vez
que a existência do homem, na passagem da Idade Clássica para a Idade Moderna,
não poderia ser mais deduzida a partir de uma redução transcendental, depurada
de toda experiência, ao contrário, sua existência só pode ser colocada nas
positividades do saber, enquanto um ser finito que vive, que trabalha e que
fala.
Se com “a linguagem clássica como discurso comum da
representação e das coisas” não se tematiza a existência do homem, é porque
esse era um problema que não podia ser colocado, visto que não “era possível
que a existência humana fosse posta em questão por ela própria, pois o que nela
se articulava eram a representação e o ser[ii]”.
Dito de outro modo, representava-se aquilo que era. Foi o surgimento das ciências humanas, na Idade Moderna,
que possibilitou o nascimento desse natimorto, que assume
para si o posto de sujeito e objeto do conhecimento, perdendo-se num mise en abyme, como sugere o quadro las meninas, de Diego Velàzquez, obra
analisada no início de As palavras e as
coisas.
Foucault observa que, com o esmaecimento do discurso
clássico, ocorre uma mutação no solo arqueológico: a história natural torna-se
biologia, a análise das riquezas torna-se economia, e a reflexão sobre a
linguagem faz-se filologia. E o homem, duplo de si mesmo,
empírico-transcendental, fundamento e fundado na representação, é esquartejado,
tendo seus pedaços espalhados na biologia, na economia e, principalmente, na
filologia. É o fim da representação; é a queda da quarta parede. Ele perde seu
papel de sujeito da história, tornando-se tão-somente um espectador olhado,
que, ainda por cima, chega atrasado à peça, pois “o homem só se descobre ligado
a uma historicidade já feita[iii]”,
e é sempre sobre um fundo já começado que ele pode pensar o que lhe vale como
origem, origem essa que se articula com o já começado do trabalho, da vida e da
linguagem. Nesse sentido, a análise de Louis Althusser vai ao encontro da
arqueologia foucaultiana ao afirmar que “a história é um processo; e um
processo sem sujeito[iv]”.
[i] Michel Foucault, As palavras e as coisas: uma arqueologia
das ciências humanas (Tradução de Salma Tannus Muchail. São Paulo: Martins
Fontes, 2002), p.472.
[ii] Ibid., p. 429.
[iii] Ibid., pp. 455-456.
[iv]
Louis Althusser. Posições. “Resposta a John Lewis” (Tradução de Carlos
Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1978), p. 28.
Interessante como em Nietzsche a morte de Deus afirma o sujeito enquanto em Foucault ela o extermina. Este artigo esclarece muito bem que para Foucault não existe um modelo universal e atemporal de homem, como para Descartes e Kant, por exemplo, mas sim diferentes modelos de homens que surgem com novos saberes, técnicas e linguagens no decorrer da historia, na medida em que encontram nova forma de vida.
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