quarta-feira, 26 de março de 2014

Foucault: acerca do Grupo de Informação sobre as Prisões e sua filosofia

Fabio Batista


No início de 1971 Foucault, Pierre Vidal-Naquet e Jean-Marie Domenach iniciaram as atividades do Grupo de Informação sobre as Prisões (GIP), as quais duraram aproximadamente dois anos. Para se compreender temas da década 1970 na filosofia foucaultiana, tais como: poder, prisão, disciplina, devemos levar em consideração a ação política do GIP? Talvez, não tenho certeza. Por quê?
Ora, se assim procedermos, ou seja, pondo lado a lado vida e obra talvez estaremos promovendo um modo de leitura criticado pelo próprio Foucault. Pois, de acordo com ele, na conferência “O que é um autor?”, ao se estudar um texto há que se desconsiderar a individualidade daquele que escreve. Não se deve ter em consideração a noção de autor enquanto fonte originária e fecunda quando se faz a história de um conceito ou de um tema. 
          Contudo, há que se admitir, contra o próprio Foucault, que sua militância no GIP teve um duplo impacto sobre ele (ainda que parcial). Ela parece orientar suas pesquisas; e o ajuda na reelaboração da concepção corrente de intelectual.
          O GIP atuou junto aos presos e seus familiares, entre 1971-1972, na procura de pôr em xeque a prisão enquanto uma instituição intolerável. E por dois anos os cursos de Foucault no Collège de France exploraram o mesmo tema: a prisão (Teorias e instituições penais; A sociedade punitiva); e o mesmo em uma conferência no Brasil em 1973 na PUC-RJ (A verdade e as formas jurídicas); e também no livro de 1975: Vigiar e punir: o nascimento da prisão. Ou seja, pode-se observar um paralelo entre a ação política e as pesquisas acadêmicas de Foucault. No limite um paralelo entre vida e obra.
            Da atuação junto ao GIP nasceu uma nova concepção de intelectual. Até então o intelectual era o intelectual-universal, o qual defendia valores universais e conduzia os oprimidos e explorados à liberdade. Lutava contra as injustiças e falava por todos aqueles que, presumivelmente, não podiam falar. Tal intelectual era o escritor. Para Foucault era preciso repensar esta concepção. Não mais o intelectual-universal-escritor, mas, doravante, o intelectual-específico-técnico. Por exemplo: de acordo com Foucault, passou-se do escritor Zola ao físico Oppenheimer. O intelectual deveria agir de forma local e deixar de lado a perspectiva universal. Estar junto a todos aqueles que lutam, deixando de lado o privilégio hierárquico. E jamais, acima de tudo, falar pelos outros. Nascia aí o intelectual específico. Pois, específicas se tornavam as lutas; ainda que não isoladas.
         Diante disto nota-se uma forte relação entre a atuação de Foucault no GIP e sua filosofia. Portanto, me parece plausível recorrermos a essa atuação para compreendermos melhor temas e conceitos foucaultianos da primeira metade da década de 1970. Ainda que tal aproximação, entre vida e obra, não seja bem-vinda ao próprio Foucault.

quarta-feira, 19 de março de 2014

Foucault: um pensamento marginal

Fernanda Ramos Leão

É possível pensar o conceito de “margem” sob várias acepções. Há, é claro, seus significados literais, entre os quais talvez o mais comum seja o geográfico. Assim, podemos falar sobre as margens de um rio: seus contornos, seus limites. Outro modo bastante popular é atribuir-lhe um sentido negativo ou pejorativo, usado de modo sociológico para indicar uma pessoa, grupo ou classe que se encontra forçosamente excluída, separada, às margens da sociedade. “Pobres são marginalizados”, por exemplo. Ainda nessa linha, o termo também é associado a indivíduos criminosos ou considerados vagabundos, delinqüentes, mendigos... “Fulano é um marginal”, costumamos ouvir. Uma terceira maneira de se pensar a noção de “margem” ou “marginal” é num sentido positivo, elogioso (ao menos a meu ver ou a quem, assim como eu, aprecia coisas desse tipo): trata-se da ideia de margem como fronteira, porém não mais relativa à geografia, mas – de maneira análoga – simbolizando simplesmente a linha tênue onde se encontram dois ou mais campos, extensões. É o espaço onde se misturam duas ou mais ideias. É o ponto de conexão, convergência ou ressonância entre diversos modos de pensar, ou entre diferentes áreas do conhecimento e que, por essa razão, acaba sendo o ambiente apropriado, propício e profícuo para a reflexão filosófica. Certamente, é neste contexto que se delineia e se situa a proposta de Michel Foucault; é deste lugar que ele nos fala de sua filosofia. Uma filosofia – sem dúvidas – marginal; uma filosofia de fronteira, com regiões sempre inexploradas ou pouco exploradas, e por isso mesmo com muitas possibilidades de análises, hipóteses, descobertas, críticas e estudos. É um modo complexo e múltiplo de pensamento, que envereda-se por caminhos novos e paisagens desconhecidas, o que pode ser até perigoso, mas sempre estimulante. Proponho ainda mais um motivo para predicarmos de “marginal” a filosofia foucaultiana, que decorre justamente dessa própria característica: em contato com seus textos, notamos rapidamente que os recortes, problemas e personagens elencados pelo filósofo não são nada tradicionais, clássicos ou universais. Pelo contrário: seus alvos de investigação e análise são sempre particulares, “menores”, ou então versam sobre assuntos que por algum motivo foram ocultados, desprezados ou esquecidos. Dito de outra forma, Foucault não faz parte do mainstream filosófico, apesar das eventuais “modas” que, vira e mexe, acabam sempre  rondando seu nome e suas ideias. Assim, sua obra em geral também não se encontra entre a bibliografia básica acadêmica ou da história da filosofia, o que inevitavelmente nos faz pensar: por quê? Por que devemos ler este ou aquele filósofo específico? Com que critérios é feita essa escolha? É como se fosse impossível pensar sem ter lido Platão ou Kant. Atenção: não se trata de negar a importância dos clássicos ou dos grandes nomes da história da filosofia, mas de questionar até que ponto a arbitrariedade dessa seleção poderia amputar o alcance possível das mais ilimitadas e ricas expressões que o nosso pensamento é capaz de produzir... mas isso já é assunto para outro texto.