David Vergilio Moura
Foucault nos mostra no que consiste o cuidado de
si, que desde os tempos helênico se dá, como no oráculo de Delfos, onde para se
consultar o deus Apolo se fazia necessário uma série de tarefas e uma delas é a
gnôthi Seautoú (“conhece-te a ti
mesmo”), onde o indivíduo deveria voltar-se para o seu interior e suas
reflexões, e assim evitar questões não relevantes, contendo-se apenas se a
fazer questões necessárias, e não fazer uso de promessas que não se pode
cumprir, e através das reflexões, ter em mente o que é realmente necessário
saber.
Como Platão nos mostrou também através do
personagem de Sócrates, em que se fazia perspicaz na abordagem de outros, a
fazer assim com que as pessoas se voltassem para se ter o cuidado de si, e se
importarem consigo mesmo, onde se dá esta subjetivação, ou seja este refúgio
para si, esta dobra em si mesmo. O objetivo deste estudo, portanto, é uma
releitura sobre o conhecimento de si em Michel Foucault, e, especificamente, na
máxima délfica e na filosofia clássica e helênica.
Sobre o cuidado de si
Para Foucault, o cuidado de si é o
fio condutor da articulação entre subjetividade e verdade, que não se remete ao
sujeito nas escolas filosóficas antigas, uma percepção comum na filosofia e na
psicologia contemporânea, que se dá por uma visão histórica e retrospectiva do
conhecimento de si.
Enfatiza Foucault que o
conhecimento de si jamais é referência fundamental entre os antigos; ele é
sempre referido ao princípio basilar do cuidado de si (epiméleia heautoú). Em que pese a conhecida afirmação de Epicteto
de que o conhecimento de si está no centro da comunidade humana, ela deve ser
minimizada porquanto é pronunciada numa época na qual a cidade de Delfos, onde
se encontrava o templo de Apolo com a inscrição do gnôthi seautoú, é considerada o centro geográfico do mundo (CANDIOTTO,
2008).
Gnôthi
Seautón, conhece-te a ti mesmo, fazia parte de uma série de recomendações
para a preparação que ocorria antes que a pessoa pudesse consultar o deus
Apolo, bem como evitar questões relevantes, se conhecendo e apenas se fazendo
questões necessárias, e não fazer uso de promessas que não se pode cumprir, e através
da reflexão, ter em mente o que é realmente necessário saber.
O “conhece-te a ti mesmo” surge então na filosofia
através da figura socrática, onde Platão mostra que este autoconhecimento se
faz necessário um cuidado de si, onde nos escritos ele nos mostra que Sócrates
persuadia as pessoas a voltarem para si, e assim, a terem cuidados consigo.
O cuidado de si, em síntese, se refere a prática de
voltar-se para seus próprios pensamentos, tendo assim uma maneira diferente de
se tratar, o que irá diferenciar consequentemente na maneira de tratar os
outros, é o voltar-se para o próprio interior, uma maneira de estar em
constante atenção com os pensamentos. A partir de então, em uma pessoa se modificando,
gerara formas de reflexão e uma linha de pensamento que será o fio condutor
entre subjetividade e verdade.
Foucault na aula de 13 de janeiro de 1982 lembrando
o texto platônico Alcibíades se
refere então, ao o que nos auxiliará neste texto sobre três referências ao gnôthi seautón. A primeira referência que é apresentada no texto faz menção
à um conselho de prudência: “Dize-me, Alcibíades, tu tens realmente grandes
ambições, mas presta um pouco de atenção ao que és, crês que és capaz de honrar
estas ambições?” (FOUCAULT, 2004, p.85). Seria como uma referência introdutória
instigando o cuidado de si, em que Alcibíades sendo incitado a olhar para si
mesmo e ocupar-se consigo mesmo, assim tendo ciência de suas próprias
insuficiências.
O filósofo então menciona o que seria a segunda
referência do conhece-te a ti mesmo
no texto platônico que se seguiu ao momento do ocupar-se consigo mesmo; porém, que se deu em uma questão de certo
modo metodológica: “o que é este eu
com que é preciso ocupar-se, o que quer dizer este heautoû ao qual ele se
refere?” (FOUCAULT, 2014, p.85), então o preceito délfico era citado pela
segunda vez.
Então a terceira vez mencionado o gnôthi seautón, quando se apresenta a
questão do que se deve consistir ocupar-se
consigo: “Desta feita então, temos o gnôthi seautón, por assim dizer, em
todo o seu esplendor em toda a sua plenitude: o cuidado de si deve consistir no
conhecimento de si” (FOUCAULT, 2004, p.85).
Com esta visão histórica da subjetivação do cuidado
de si que Michel Foucault estuda, dá-se então a ampliação do imperativo
socrático. O cuidado se torna intransigente perante a deficiência da educação
grega no fim do período adolescente, que faz referência a arte de viver, e que
se desenvolve no passar da vida, dando-se em funções de luta, sendo elas as de terapia
e de crítica.
A função de crítica se refere a um papel de
correção que o cuidado de si exerce, assim como Sócrates mostrou a Alcibíades,
a sua própria ignorância que ignora a si própria. Portanto, o cuidado de si se
faz presente onde ele é necessário, ou seja, em questões que se é preciso ser
abandonada, tais como maus hábitos. Refere-se então à “correção-libertação” (FOUCAULT,
2004, p.116).
A função terapêutica, sendo que o cuidado de si
venha a ter um objetivo próprio, e que em um composto corpo e alma, a medicina
é incumbida de cuidar do corpo, caberá então a alma os cuidados da filosofia.
Foucault cita Plutarco na Hermenêutica
“ao dizer que medicina e filosofia têm ou, mais exatamente, são mía khôra (uma só região, um só
território)” (FOUCAULT, 2004, p.119).
A ideia de um grupo de
pessoas associando-se para praticar o cuidado de si, ou ainda uma escola de
filosofia que constitui, na realidade, um dispensário da alma; é um lugar onde
se vai porque se quer, onde se envia os amigos, etc. Vai-se por algum tempo a
fim de se fazer cuidar dos males e das paixões de que sofremos (FOUCAULT, 2004,
p.121).
Na citação, Foucault, explica que Epicteto está se
referindo a sua escola de filosofia como um consultório médico, um consultório
de almas. Uma terapêutica intensiva entre corpo e alma volta-se a fundamental
função do cuidado de si, onde o sujeito torna-se seu próprio médico.
Segundo o artigo de Candiotto (2008), na cultura
greco-romana, o cuidado de si acaba por ser universalizado como princípio; porém,
na prática é posto de modo particularizado, todos são capazes de exercer o
cuidado de si. Entretanto, alguns optam por seguir nesta atitude, que escolhem
o cuidado de si como modo de vida e outros, e não seguem este modo de vida pelo
tempo necessário.
O cuidado de si não é um privilégio aristocrático,
difundido em classes desfavorecidas é encontrado em grupos que se organizam,
tais como cultos definidos e teias de amizade em que se dá direitos e
obrigações específicas. Estabelece-se então um princípio universal que alguns
aplicam a suas vidas, onde ninguém a priori exclua outros cuidados além do
cuidado de si (FOUCAULT, 2004, p. 123). O princípio do cuidado de si, se dá
como um ponto final de práticas de si com uma conversão do olhar, tal como uma
exigência fundamental.
A conversão do olhar em si se encontra entre o eu
ético e o sujeito inacabado, um conhecimento do eu, uma distância que separa
interioridade e exterioridade. Todavia, o que separa o “eu” do “eu ético” não
se deve ser medido pelo conhecimento, e sim de ações práticas.
A conversão do olhar, ou seja, uma conversão a si,
no cristianismo se tem a metanóia que
segue um caminho oposto onde se pede a renúncia do eu, já a conversão a si pede
que renuncie o entorno do sujeito, pois assim não se tem empecilhos na concentração
de seu objetivo. Portanto, através de um esquema prático a conversão a si faz
menção a atos de proteção e de defesa, onde o sujeito se faz dominante do eu,
se tendo considerações, ou seja, respeito pelo eu.
Um dos pontos da conversão a si, envolve a
capacidade de distinção de ações dependentes de nós e o que depende a
terceiros, sendo aplicada em momentos particulares do sujeito, auxiliando assim
a nos desviarmos de paixões causadas pelo saudosismo inútil por acontecimentos
passados ou por ilusões perante acontecimentos futuros, que são independentes
de nós, somente o “eu” do presente se dá à ação livre do indivíduo.
Através da conversão a si, se dá a subjetivação da
verdade, onde assim se tem a busca da mudança no seu modo de ser. Portanto, se
o objeto que está sendo buscado se trata da ética do sujeito, dá-se ênfase aos
exercícios permanentes do agente ético, assim sendo possível considera-lo sujeito de verdades.
REFERÊNCIAS
CANDIOTTO, Cesar. Subjetividade e
verdade no último Foucault. Trans/Form/Ação, v. 31, n. 1, p. 87-103,
2008.
DELEUZE,
Gilles. Conversações. Editora 34, 1992.
DELEUZE,
Gilles. Foucault. São Paulo: Brasiliense, 2005.
FOUCAULT, Michel. A hermenêutica do sujeito: curso no Collège de France (1981-1982). Tradução de Márcio Alves da Fonseca e Salma Tannus Muchail, Martins
fontes, 2004.
FOUCAULT, Michel. História da
sexualidade I: a vontade de saber. Graal, 2001.Foucault, M. (1999). A água
e a loucura. Rio de Janeiro: Forense.
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